quarta-feira, 7 de setembro de 2011

A historia de vida Jhon kennedy

Kennedy inventa Kennedy
Seu governo foi efêmero, mas a lenda permanece, apesar das múltiplas biografias que desancam o personagem. Sua vida é cercada de uma aura que ele soube construir na mídia, que lhe garantiu a imagem de homem mais popular dos Estados Unidos.


Ainda candidato, descansando no apartamento em Boston
O paradoxo é surpreendente. John Fitzgerald Kennedy se tornou presidente dos Estados Unidos em 20 de janeiro de 1961. Foi assassinado numa rua de Dallas em 22 de novembro de 1963. Exerceu a presidência durante apenas 1.036 dias. O que é muito pouco. Sem ter tido a chance de uma longa permanência no poder, como aconteceu com Franklin Roosevelt, Kennedy, entretanto, permanece na América como uma de suas personalidades mais conhecidas, celebrizadas e mitificadas.

Eventos da maior importância aconteceram durante sua presidência. Por duas vezes, em abril de 1961 e outubro de 1962, Cuba e Fidel Castro ocuparam lugar de destaque na cena internacional. No curso do segundo episódio, a tensão entre os Estados Unidos e a União Soviética esquentou tanto que muitos temeram a explosão de uma terceira guerra mundial, coisa ainda mais assustadora porque o conflito teria oposto duas superpotências nucleares, com arsenais capazes de destruir todo o planeta. Foi também nessa época que os Estados Unidos se envolveram cada vez mais fundo no conflito vietnamita, que a desigualdade entre negros e brancos conflagrou a sociedade americana, que a condição feminina entrou nas preocupações dos políticos, que o governo federal se esforçou para estender a assistência médica dos pobres às pessoas com mais de 65 anos de idade. Seria injusto concluir que nada de importante pontilhou os dois anos e meio da presidência de Kennedy. Da mesma forma seria inexato pretender que o mundo mudou radicalmente, que Kennedy teve tempo de alterar as relações internacionais, a vida econômica e social, e a correlação de forças políticas.

O tempo nada produz por acaso. Mais de 40 anos depois da tragédia de Dallas, o nome de Kennedy prossegue prestigiado. Dois terços dos americanos consideram que ele foi o presidente mais importante do século XX, tendo realizado uma tarefa extraordinária e que encarna uma América vitoriosa e segura de si. Ted Kennedy, o irmão do presidente, é senador por Massachusetts. Até morrer, sua viúva, Jacqueline Kennedy, tornada Jacqueline Onassis, perseguida pelos paparazzi e pelos jornalistas da imprensa popular, não pôde escapar da notoriedade. Kennedys disputam eleições ou apóiam seus cônjuges, como é o caso de Maria Shriver, sobrinha de John Kennedy e esposa de Arnold Schwarzenegger. A morte acidental de John Kennedy Jr., o filho do ex-presidente, comoveu profundamente tanto os americanos quanto outros povos. A explicação para isso é, a um só tempo, simples e complicada.

Existe um mito Kennedy. Convém analisá-lo mais de perto e sobretudo entender suas particularidades.


Kennedy jamais deixou de cuidar de sua imagem. Ele sem dúvida herdara do pai a vontade de cativar a opinião pública. E a carreira política, na qual ingressou em 1946, aos 29 anos, reforçou essa tendência. O patriarca Joseph Kennedy enviara os dois filhos mais velhos a Londres. Na Inglaterra, eles assistiram às aulas de Harold Lasky na London School of Economics, para adquirir indispensáveis conhecimentos e para ostentar a filiação a um dos mais brilhantes economistas da época.

Depois que John redigiu sua tese de doutorado, um jornalista experimentado foi encarregado de reescrevê-la para que fosse publicada e apreciada pelo grande público. As proezas do jovem no Pacífico Sul, durante a Segunda Guerra Mundial, em 1943, foram narradas em termos épicos, e o relato foi divulgado entre os eleitores.

Enfim um congressman (isto é, um membro da Câmara dos Representantes) de 1947 a 1953, senador de 1953 a 1961, depois presidente dos Estados Unidos, John Kennedy manteve relações privilegiadas com os jornalistas. Ele lhes abria informações confidenciais, elogiava seu trabalho ou lhes dirigia críticas amistosas.

Os fotógrafos eram igualmente adulados. Tinham acesso à intimidade da família. Os pais, os irmãos, as irmãs, as crianças proporcionavam excelentes clichês. Na propriedade familiar de Hyannis Port, ao longo do Cabo Cod, em Washington, nos confins da América ou no estrangeiro, nada era mais fácil que obter um flagrante de John, de Jacqueline, com a condição de que a fotografia tivesse a ver com o tema.
Cabelos ao vento, aclamado pela multidão, brincando com o filho ou a filha, em sua lancha, no gabinete da Casa Branca, John Kennedy aparecia nos álbuns consolidando a idealização de juventude, alegria, elegância, responsabilidade.

O nascimento do culto
Além disso, ele sabia usar admiravelmente bem a televisão, como nos debates que precederam as eleições presidenciais de novembro de 1960. Depois, persuadiu Jacqueline a receber uma equipe de televisão para mostrar os novos arranjos da Casa Branca. Todos os momentos da vida pública e a maior parte dos instantes da vida privada construíram a imagem de um homem, de um líder, destinado às mais altas tarefas, decidido a conquistar o coração das multidões. Nesse sentido, Kennedy inventou o mito Kennedy.

O assassínio fez nascer um verdadeiro culto. Uma moeda de meio dólar foi cunhada com a efígie de Kennedy. Ruas, avenidas, o aeroporto principal de Nova York, a base de lançamento de foguetes e naves espaciais da Flórida, escolas e colégios, monumentos foram batizados com seu nome. A América e o "mundo livre" renderam homenagens ao presidente-mártir. Ele se transformou em símbolo da razão, da democracia, do diálogo e do dinamismo abatidos pelas forças do mal. Elevou-se acima de seu tempo, reunindo todas as qualidades da América, ascendendo ao papel de herói. Os contemporâneos ficaram aterrados, questionando como um homem com tal têmpera, um espírito superior, pôde ser vítima do caos, da violência e da intolerância. Ao mesmo tempo, refletiam sobre a espécie de mundo em que todos viviam e o que deveria ser feito para combater os impulsos diabólicos ou, ainda, quais os meios para salvaguardar uma herança tão preciosa. Os primeiros testemunhos da história da presidência contribuíram para esculpir a estátua. A lenda, assim, ganhou corpo.

No próprio coração da lenda, a oposição entre sua juventude e sua morte. Apareceu então uma família unida. Os pais eram descendentes da imigração irlandesa, que foi, durante décadas, vítima de discriminação. Tiveram quatro filhos e cinco filhas. Os meninos eram felizes. Aproveitaram-se com inteligência e determinação da fortuna familiar. Mas a infelicidade andava à espreita. Uma das moças era deficiente mental; outra morreu num acidente de avião. O filho mais velho, em 1944, foi morto enquanto comandava um bombardeiro. John foi encarregado de levar em frente as esperanças do clã. Ele pertencia à nova geração, aquela que fizera a guerra e servira o país. Com a ajuda da família, superou os obstáculos, foi eleito e reeleito em cargos representativos. Entrou para a Casa Branca, pregou o diálogo, exaltou as virtudes de seus concidadãos. Em torno dele, os amigos, os seguidores, os conselheiros constituíram uma espécie de corte do rei Artur, o da legendária Camelot. Eles fizeram de seu tempo um fugaz momento iluminado. Com o presidente Dwight Eisenhower, a tristeza prevalecia. Com Kennedy, a inteligência, a euforia e a beleza triunfaram.
Raio sobre o planeta
Mas que não haja engano! Kennedy acreditava na sua boa estrela e, ao mesmo tempo, tinha senso de humor. Ele sabia também como recolocar as coisas em seu devido lugar. Um dia, um jornalista lhe perguntou: "Como você se tornou herói durante a guerra?". A resposta: "Por acaso. Atingiram meu barco". Nada nem ninguém merece ser levado exageradamente a sério. Ora, de repente, um raio caiu sobre o planeta. Era a morte uma vez mais. Resultou de um ato odioso. Os policiais prenderam Lee Harvey Oswald, o suposto assassino. Em 24 de novembro, 48 horas depois do homicídio, o matador também foi assassinado diante das câmeras de televisão. E o mistério tornou-se ainda mais denso. Os boatos mais estapafúrdios começaram a circular. Interpretações, racionais ou fantasiosas, foram levantadas e em seguida descartadas. Quanto mais o tempo passava, mais impossível tornava-se descobrir a verdade indiscutível. Em 5 de junho de 1968, durante as primárias democratas da Califórnia, seu irmão Robert Kennedy também foi abatido. Uma vez mais os Kennedy foram colocados no meio de uma tragédia, tanto mais traumatizante porque ocorreu no meio do sucesso, no momento em que menos se esperava.

John Kennedy lançou o combate à pobreza, apoiou o movimento dos direitos civis em favor da igualdade de negros e brancos, propôs novas medidas de amparo social. Colocou a América em movimento. Mas não concluiu sua obra. Por isso, o mito compreende um segundo elemento: se tivesse terminado seu primeiro mandato e obtido um segundo, Kennedy poderia ter mudado os Estados Unidos e o mundo. Ele soube conduzir a crise dos mísseis, em outubro de 1962, que o fez entrar em confronto com os soviéticos.

Após o grande espetáculo do enterro começou o tempo das investigações. Mas além das buscas policiais, os jornalistas e historiadores trataram de desenhar o verdadeiro retrato de John Kennedy e o balanço de sua presidência. O mito perdeu brilho.

Kennedy foi um homem de paz, mas nos quadros da Guerra Fria. Diz-se que ele rejeitou o diálogo com Moscou e transformou os Estados Unidos num terrível arsenal de destruição nuclear. Ele não conseguiu livrar Cuba de Fidel Castro, embora tenha tentado por todos os meios. Quanto ao Vietnã, não há como afirmar, com segurança, que ele teria evitado o envio de meio milhão de soldados. Sua vida privada foi passada a limpo. Bom filho, bom marido, bom pai, todas as versões foram examinadas.
Kennedy foi descrito sob uma ótica francamente menos favorável. Suas aventuras extraconjugais (ler o quadro "Escravo da libido"), a atmosfera deletéria que reinava na família, os laços estreitos com personagens duvidosas, até da Máfia, tão logo foram descobertos, comprometeram sua boa imagem. John Kennedy não era mais o James Dean da política. A juventude deixou de ter motivos para lhe dedicar um culto fervoroso. Ele deveria sucumbir ao plano dos ídolos desconstruídos. Os historiadores, entretanto, não conseguiram destruir o mito.

Ainda hoje Kennedy não se coloca no rol dos presidentes comuns, cujos nomes e épocas tempos depois caem nas brumas esquecidas do passado. Os norte-americanos continuam a admirá-lo. O juízo que fazem dele ajuda a esclarecer sua maneira de enxergar os anos 60. Naquele tempo, os Estados Unidos enfrentavam um adversário à sua altura: a União Soviética, a outra superpotência nuclear, que também tinha o poder de destruir o planeta em alguns segundos. Na época da Guerra Fria, os Estados Unidos não tinham se confrontado ainda com as rebeliões urbanas dos anos 60, as violências provocadas pela Guerra do Vietnã, o escândalo de Watergate, a complexidade quase insondável do Oriente Médio, os excessos e frustrações das reformas sociais. A prosperidade não parecia correr riscos. Em uma palavra, a América ainda acreditava no progresso. Sem temores nem inquietações de alma, ela afirmava sua moral e sua legitimidade. A memória nacional, pouco exigente com a verdade histórica, faz desse período uma época abençoada. Por meio do mito que o envolve, John Kennedy encarna a América dinâmica, forte e feliz.

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